Ela tinha vindo comigo, caramba, tava rolando a maior paquera, ela tinha topado sair de novo, outro dia, um cineminha talvez, sei lá, um motel!!! Na praia o papo foi ótimo, ela disse que adorava uma boate, e com música então... eu podia jurar que a coisa iria esquentar, ia rolar a maior, aí vem esse cara, tocando essa musiquinha de merda, essa coisinha que fica se repetindo e a gatinha aí, toda derretida pelo cara. E olha que ele nem é essa maravilha toda, aliás, com aquele cabelinho cheio de gomalina eu acho até que ele, sei lá! E baixinho, acho que nem tem um metro e meio!
- Sabe, eu também toco instrumentos, na minha família somos praticamente músicos! Falei, gritando no ouvido dela.
- É...
- Claro, por exemplo, minha mãe tocava tuba na banda de Ipanema...
- Tuba...
- É, tuba, muito difícil de tocar, instrumento de responsabilidade, e ela tocava de ouvido.
- Ouvido...
- Presta atenção, pombas!
- Tá, espera só acabar essa música, é ótima...
- ...
- Vai, fala aí da sua mãe.
- Pois é, ela toca tuba, e cuíca.
- É mesmo?
- É, cuíca ela aprendeu com um professor, tuba foi de ouvido. E cuíca é o seguinte... é chegar lá em casa e começar um som ela corre e pega a cuíca, aí rola a maior...
- Péra aí, essa música também é das boas...
E a coisa seguiu adiante, o chatinho tocando e a menina babando. E eu ali do lado tentando chamar a atenção da danada. Pedi mais um cuba-libre, mastiguei uns amendoins e fiquei ostensivamente de costas pro cara.
O baterista começou uma virada cheia de floreios e de ensurdecer santo, e então, eu aproveitei para iniciar de novo o papo:
- pois é, meu irmão Marcello toca violão, cavaquinho e sanfona, quando nos reunimos é a maior bagunça, todos tocando...
- psiu!
- Ei, chega disso um pouco...
- Tá legal, essa música eu até não gosto muito, vai, diz aí!
- Pois é, só meu irmão Jorge que não toca, mas é musical pacas! eu toco tumba, bongô, atabaques e o Antônio sopra uma gaitinha e até mesmo toca um sax tenor.
- Sax?
- É!, sax, por quê?
- Eu queria muito conhecê-lo!
- Por quê? Por quê ele toca sax?, só por isso? Ele toca muito mal, na verdade enche o saco da gente, é desafinado e tal e coisa.
- E o sax, é daqueles grandões brilhantes? Maior do que o desse cara?
- E você tá querendo o quê com o tamanho do sax do meu irmão?, pombas! Tamanho do instrumento não é documento, sax tenor, barítono, soprano, baixo, é tudo uma merda, é tudo uma porcaria, sopra-se de um lado e sai uma bostinha de som do outro e sabe do que mais? Vou membora! Fique você com o sax e com o dono dele que eu não tenho mais saco procês!
- ...
Levantei e fui saindo, pedindo licença aqui e ali, encostei no balcão, dei adeus ao sonho de motel, pedi a conta, paguei e lá de longe já abrindo a porta me virei para ver o que estava acontecendo. Lá estava ela babando e o cara tocando a tal de "I've got you under my skin" se sacudindo como uma perfeita idiota, parecia a Beth Carvalho cantando "Andança" - ridículo...
Bati a porta da boate, dei um b'noite pro leão de chácara e, saindo pelo meio do pessoal que ia entrando, percebi que começava a assobiar!
Era a danada da música que voltava na minha cabeça.
Eu pulei e comecei a gritar uns impropérios dando chutes no ar.
- Foi aí doutor, foi aí que o camburão da polícia parou e o guarda pediu meus documentos.
- E precisava, meu filho?, precisava mandar o guarda enfiar o sax no rabo?, ali, na frente de todos?