Eramos um

Poesia, Escritos, Contos e Mentiras de um cara que pensa que é três!

sexta-feira, 24 de junho de 2011

Junina

Junina
Variz da Meiga

Um quentão é 5 e dois é 3!
Um é cinco e dois é três? José se espantou. Como pode dois ser mais barato
que um? Sorriu, coisas do Rio, coisa de Carioca, esse povo engraçado que
recebe os nordestinos como se tivessem nascido aqui.
Dois é três! Ora vejam só!
José se encostou na barraquinha, pediu dois quentões e, respirando o ar de
pólvora e madeira queimada deu uma olhada pela quermesse.
Ô saudade lá da Paraíba!, da sua terra, da sua gente, do São João, das
festas que faziam sua cidade entrar no mapa. E tome quadrilha.
A sanfona tocava, os rojões subiam e o quentão também! Olhe ali! A Dona do
403! E toda produzida! Que engraçado ver o pessoal do seu prédio numa
situação fora dele. E a música rolava. Essa eu conheço! E veio pra cabeça a
tarde de conversa com o Síndico do prédio - ele se apresentando: José
Severino do Grupo.

- Do Grupo? Perguntou o Sindico.
- Sim sinhôr, é José purcausdiquê nasci cumbigo enrolado no pescoço
e fui consagrado pra São José, Severino purcausqui todo mundo lá pras bandas
de lá é, e do Grupo prucaus di minha mãe que era professora lá no Grupo
Escolar e pra diferênçá fiquei do Grupo. Sabiam não o nome do meu Pai,
fiquei do Grupo. Eu sei lê e escrevê, tenho as referênça que o sinhôr
precisá.

Vinte anos! Como o tempo passou rápido, parecia outro dia, parecia que a sua
infância ainda estava ali do lado.
O cheiro do gengibre subia da panela de quentão, José sorriu e pediu mais
dois. Três real, que gozado! As fagulhas da madeira queimada também subiam e
com um estalido se perdiam de encontro ao céu negro. As imagens das suas
festas estavam vivas, o cheiro, a música, o calor, era como se ele estivesse
na sua cidade. Que saudade, quanto tempo. Como andaria sua mãe? E os irmãos,
estariam ali pelo Rio? A falta de notícias e a total ausência de informação
tinham fechado seu coração.
Vinte anos! A menina que ele tinha desgraçado já devia ser avó! Claro, o
filho de vinte anos atrás tinha idade para ter um filho - filho do filho que
nunca viu. Avô. Qual o quê!
Vinte anos fugindo da responsabilidade com a menina. Vinte anos de Rio de
Janeiro, uma nova vida, que, se não preenchia a saudade dos seus, tinha lá
suas compensações.
E tome quadrilha!
E tome quentão!
O casamento começou. Risos, foguetes, o Padre casando e a noiva de tênis
fugindo, a música alta e mais um morador do prédio lá longe.
Um amigo passou do lado e ele ofereceu um quentão.
Um cigarrinho, as fagulhas, a folha do galho de bambu entrando no olho, uma
saudade enorme tentando sair.
Sacudiu a cabeça, tinha que tomar uma decisão, tinha que voltar, tinha que
ver sua mãe, tinha...
Ô saudade.
Na barraca do lado um sujeito acendeu umas brasas e colocou queijo de coalho
pra queimar. Noutra barraca tinha pamonha, noutra além carne de sol.
É... parecia que a Paraíba era ali.
O amigo falava e ele não ouvia, o quentão esfriava e a cabeça voava pra
cidadezinha, pra sua casa, pra sua gente.
Um toque no ombro deu um susto. Mais um morador do prédio brincava com ele.
É, essa cidade já era a sua cidade, pra quê voltar, pra quê?
A moça passou em frente da barraca. Já tinham trocado olhares antes. Ele
chamava a moça de menina do pão, todos os dias ela ia para a padaria e se
olhavam. Um quê de desejo se acendeu.

Quentão? Vem. Um é 5 e 2 é 3!

Ela aceitou sorrindo.

O balão vai subindo, vai caindo a garoa, o céu é tão lindo e a noite é tão
boa.

Será que dessa vez eu saio desse casulo de aranha? Vou conseguir uma moça
direita, uma moça pra casar direito, pra ter filhos direito, pra fazer a
minha família, é isso?, é agora que eu saio dessa toca?

Começaram a conversar, a beber, as barreiras foram caindo e a conversa foi
ficando em voz baixa. A música lá no fundo e o quentão lá na frente.

Ó, agora a quadrilha é pra todos, vamos dançar? Falou a morena.

A cabeça girava, o corpo girava e a morena girava. A fumaça subia, os
cheiros entravam, o calor da pele dela aquecia seu coração. Quanta
felicidade, era quase como se fosse lá na cidade. A música acabou e a morena
puxou o braço dando risadas - vamos tomar mais dois quentão? É só três,
falou sorrindo.

Zé Severino? A voz perguntou.
José Severino, seu criado, respondeu.
Do Grupo?
José Severino do Grupo sim sinhôr, porque?

A resposta veio como um novo cinto, dois dedos abaixo do cinto de couro que
segurava a calça de Pervinc Aurora. O novo cinto abriu a calça como um
sorriso e por ele seus miúdos começaram a sair pra fora.
A morena gritou e saiu correndo; uma clareira se abriu no meio da dança.

Suas mãos tentavam agarrar seus intestinos como se fosse um filho nascendo.
A cabeça girou, as pernas bambearam e ele caiu sentado.
Olhou para cima. O velho, pequeno, pele curtida, roupa mal assentada, de
cabeça branca e com uma peixeira na mão, falava. Falava e gritava. O quê ele
falava? Filha? Vinte anos?
Um traque explodiu e o cheiro de cordite encheu o ar.
Ele sacudiu a cabeça como se estivesse com o cabelo molhado tentando prestar
atenção no que estava acontecendo. Um rojão papocou. O velho seguia falando,
seus miúdos escorriam pelo meio das mãos, o sangue descia e corria separado
do quentão que bebera. As pernas abertas com aquilo cheio de voltas e nós
espalhado no meio, parecia coisa de filme americano. O sangue ia para um
lado e, enquanto a escuridão tomava conta da sua vista, o quentão escorria
para outro, parecendo querer voltar pra dentro da panela. Olhou para os
sapatos e os cadarços estavam soltos. Ué? Não tinha amarrado?
O velho seguia gritando; ao fundo as fagulhas, os cheiros, a música.

São João, São João, acende a fogueira do meu coração.

Ele estava voltando para casa.

segunda-feira, 20 de junho de 2011

O Crime

O Crime
Variz da Meiga

Vou matá-lo.
Sei como.
Já planejei tudo.
Todas as ações, passo a passo; até mesmo o que vou dizer e como vou me
comportar depois.
Vou matá-lo.
Matar é a única coisa em meu pensamento.
Tá bom, parece piada, mas não é! É muito sério, é papo de morte! Tenho uma
vida pacata, sossegada, amigos até dizem que sou uma pessoa zen. Mas um
monstro mora dentro de mim!
Eu descobri.
E assustado com o bicho, me peguei cutucando o danado só pra tentar ver o
tamanho da sua força.
Ele quase acordou.
Eu me senti um gigante - cabelos na língua, farpas na palma da mão, sangue
gelado.
Brincadeira?
Não é!
Estou escrevendo isso como um aviso e ao mesmo tempo tentando superar meus
medos. Esse monstro vai matar! Eu vou matar!
Com hora e local determinados, com o plano obsessivamente passado e
repassado, cada movimento exaustivamente repetido, cada palavra de despiste
decorada e novamente falada e falada e falada, até soar como verdade. Não
essas verdades cheias de detalhes, que não sou bobo! Preparei até mesmo o
timing de um soluço, de uma tirada de óculos, vai ser verdadeiro! Tem que
ser!
Todos os ângulos foram estudados. Como já disse, exaustivamente estudados e
pensados e interpretados e questionados e finalmente aprovados!

No início a coisa toda parecia apenas um pesadelo, um sonho ruim. Aos poucos
os detalhes exatos demais para serem sonhos foram surgindo. O desejo, a
volúpia, a excitação do antes crescia a cada noite, aí passei a pensar nisso
durante o dia também, e a fazer anotações e medições e marcações de tempo,
de passos, de atos, de palavras, de desculpas, de álibis, de tudo enfim,
tudo, tudo, tudo.

Agora é esperar a hora.

Bem, isso visto assim de longe, nessa calma, parece uma coisa e é outra - é
muito difícil esperar. Esperar para matar. Mas sei que estou fazendo o
certo, o necessário, o que qualquer um faria em meu lugar! Certo!

Por isso vou matá-lo!
Matá-lo, sem pretensões a finalmente executar o crime perfeito, mas sabendo
que vou sair ileso, sem culpa, inocente, cordeirinho!
Estes escritos serão deletados, queimados, apagados, nada, nenhuma anotação,
arma, plano, nada, nada vai sobrar para servir de elemento de ligação entre
o crime e a minha pessoa.
Nada!
O tempo corre, meus dedos batucam nas teclas enquanto suo um pouco na testa.
Sinto o monstro acordando.
Sim, estou sentindo o bicho se movimentando, se mexendo, se levantando; a
hora está chegando! Já é tempo de me preparar, parar com essa baboseira
sentimental de "botar pra fora", de fazer como os assassinos de cinema que
contam tudo antes de matar.
Chega!
Esta é a hora!
Este é o tempo final!
Vou me levantar desta cadeira, apagar tudo, desligar este computador, limpar
as impressões digitais e começar meu plano.
Vou matá-lo!
Matá-lo de uma vez, para poder viver tranquilo, sossegado e feliz, sem esse
imbecil, piegas, sentimental, romântico e babaca lado poético!

domingo, 5 de junho de 2011

Bullying, Sanduíche de Goiabada com Grapette e a Total Falta de Conhecimento


JPVeiga

Lendo as notícias sobre o caso de Bullying no tradicionalíssimo colégio São Bento, me lembrei de uma dessas coisas que só acontecem comigo:
Recém-convidado a me retirar de uma escola, fui entrado em outra; mais uma vez escola católica, mais uma vez com padres, bedéis e rigidez total.
Eu gostava mesmo era de ler e por isso achava que sabia mais que os professores; meu mundo perfeito era ler, fazer judô, ler mais um pouco, ir à praia, ler e patinar no gelo, numa Ipanema que teimava em ficar besta e internacional... O judô tentava me ensinar o respeito - meu mestre Rudolf Hermanny, dizia que o segredo da vida era o respeito, pelos outros, pelos mais velhos, pelo conhecimento e pelo seu próprio corpo! Grande sujeito!
Pois foi que num primeiro dia de aula, depois de uma aula chatíssima de ciências, onde eu tinha certeza que sabia muito mais sobre o período triássico do que o professor, fui para o recreio com a boca aguando pelo sanduíche de goiabada e pela minha, ainda meio geladinha, Grapette! Sentei em um degrau de uma escada de cimento, que eu não sabia onde ia dar, e fiquei olhando todos aqueles alunos que eu não conhecia, toda aquela gente se falando e rindo e brincando, enquanto eu, ali, esperava que o tempo me apresentasse todos, que pareciam ser boas pessoas!
Aí...
Passou um carinha e patolou meu sanduíche e a minha Grapette - o cara foi tão rápido que levou tudo e correu rindo!
Sem pensar, corri atrás do ladrão e dando uma banda por trás, derrubei o danado; caí sobre ele e entrei em uma posição de estrangulamento (katagatame), em que se prende o pescoço e um dos braços do adversário, sufocando-o. Ele, rapidinho parou de dar pinta de resistência, então eu o soltei e fui logo pegar o que sobrou da minha Grapette. Meu pobre sanduíche, que me olhava desmontado, viu o rapaz se sentar chorando.
Ainda fiz um gesto como se fosse dar-lhe uma grapettada na cuca e saí fora. Dali direto para a secretaria, levado pelo Bedel, onde uma bronca de sacudir quarteirão me esperava. Sentado na antessala, ainda agarrado na garrafinha, olhei para outro aluno, que, com cara de bobo e assustado, me falou:
- Bicho! Você bateu no cara mais forte da escola, ele espanca todo mundo, ele toma as coisas dos outros, toma dinheiro e obriga a gente a fazer o dever dele!!! Já apanhei dele uma semana inteira! Como você fez isso?
Muito sério, respondi:
         - É que eu não sabia, se soubesse tinha apanhado...

Eramos Um

Minha foto
Quem somos nós? Somos 3 em 1!!! JPVeiga - Variz da Meiga e Mariz Conzê - Vou contar sobre um deles: JPVeiga Peixes, Serpente no Horoscopo Chinês, filho de Oxum, aprendeu a ler já velho, com 7 anos, o pai queria tanto que ele fosse engenheiro, quase foi arquiteto, é Diretor de Arte, Ilustrador e Pintor, escreve para crianças desde sempre. Tem 3 filhos e uma neta, é casado e não pretende mudar essa condição. Mora como os sapos - na Lagoa.