Eramos um

Poesia, Escritos, Contos e Mentiras de um cara que pensa que é três!

domingo, 27 de março de 2011

O Contrato



O Contrato
Mariz Conzê




Os dedos nodosos rodavam a caneca de ágata – esmalte velho e gasto no fundo – uma cordinha sebenta amarrada na asa explicava que o dono era gente de viagem – de pouso aqui ora ali. 
O café soltava uma fumaça que se espalhava com o bafo do homem. A caneca ia até a boca e os olhos apertados viam através da janela – lá longe uma fumacinha mostrava que por ali morava gente, gente de muito porém, de muita história, gente arredia e com a desconfiança como vizinha. Era caso de se esperar. O homem disse que vinha, virá.
Lembrou da mulher. Lembrou de como explicou que esse era o último trabalho – lembrou de quantas vezes lhe dissera isso – sorriu. 
Danada, verve preocupada – carece não, sei me defendê.
Sorriu nervoso.
A casa abandonada só tinha o cheiro da fogueirinha que fizera pra fazer café. O teto de telhas vãs tinha até trepadeira nascendo. A tarde acabava, a fumacinha ao longe chegava perto – devia ser ele.
Ajeitou o repetição atrás de um toco de pau – colocou uma garrucha no alto de uma viga meio podre – deixou ao alcance da mão uma faca de corte e esperou – nunca se sabe – tem-se que estar preparado – pensou, ajeitando uma peixeira nas costas.
Então se encostou no canto da janela e esperou. A lembrança da mulher veio de novo, ela no quintal, os lençóis brancos se sacudindo, o sol forte, o sorriso maroto. Estava sonhando quando alguma coisa fez ele prestar atenção. A fumaça virara um cavalo – em cima dele um homem; roupas boas cheias de poeira, segurando mal nas rédeas, ele parecia ter guerreado com o cavalo durante todo o percurso. Era o danado, o pau mandado do cliente. Já estava acostumado, nunca aparecia o ômi da mandância. Quem paga e quem diz é sempre um cabra safado – toco de amarrar jerico. Tinha raiva desses tipos – pequeninos com jeito de quem tem sem ter, de quem é sem ser – mas, vamulá que o trabalho já foi meio pago.
Parou na soleira da porta e tirou o chapéu, o homem chegou e sem jeito encostou o cavalo perto duma árvore e se apeou. Desceu e foi falando e andando e maldizendo o sol e os espinhos e o cavalo e a estrada, entrou na casa e olhou ao redor – não tinha móveis, não tinha cadeira, olhou de novo como que não acreditando e rodou o corpo até parar nos olhos do matador. 
Entonces vossemecê é o ômi?
É, sô.
Eu vim a mando de uma pessoa que lhe mandou dinheiro e lhe fez uma oferta de trabalho.
Sei.
E o senhor recebendo o dinheiro como que selou o acordo e agora eu...
Moço, diga logo quem é e onde mora. Diga e vá-sembora que eu não perciso de mais nada nhô não! Chega de rapapés, diga logo – dê uma fota, uma indicação e mais nada – nóis nunca se viu – entende?


Certo, descurpa, é o nervoso que está assim me empurrano. Tome lá! Essa fota é antiga, ele já é um homem velho – tem uma mulher nova, filhos pequenos e tal e coisa, mas isso não interessa, ele tem que, digamos assim – desaparecer por mode as terras do meu patrão ficarem assim vazias que o ômi do banco assim quis e mais não digo pruquê não posso. 


Certo, agora é comigo – falou o cabra pegando a foto e como que se abanando – vá-sembora. Pregunte lá pro seu patrão se ele quer alguma prova do sumiço do cabra?
Carece não, a notícia por essas bandas corre muito rápido – vamos saber rapidim – assim que se souber, mandamos o restante.


Negativo, falou o homem se colocando na frente do outro que se movimentava pra sair dali. Negativo – eu quero encontrar com vossemecê logo dispois do fato – diga onde, que eu vou até lá – e recebo o que é meu e me ganho no mundo – é assim que a coisa funciona, que isso não é brinco de criança nem xixi de moça – é pau de dar em doido – se não quiser fale logo que eu dô logo por encerrado e pronto cabô e fim.


E o homem suando falou, e se explicou e concordou e assentiu e saiu e montou e foi embora deixando para trás a mesma fumacinha que trouxe.


Dentro da casa a 44 saiu de trás do toco, a garrucha foi pro cinto, a faca começou a picar um pedaço de fumo e a fotografia ficou no parapeito da janela enquanto o cigarro era aceso. 
E lá ficou quando ele saiu – a foto gritava, a casa reclamava, a arma esquentava e o sol ardia; enquanto o homem entrava pelo meio do mato feito bicho, correndo pra chegar no sítio de seu velho pai e matar e correr de volta pra encontrar o maldito leva e traz, receber o dinheiro, dar umas bordoadas nele, descobrir quem é o patrão, e matar esse e ir até o mandante, matar aquele cabra também e voltar correndo pra casa e pegar a mulher e sair fugido pros cafundós; que cabra matador que cumpre seus contratos ali na risca, acaba sempre tendo problemas. 

sexta-feira, 11 de março de 2011

Carta de Léo Cunha a Emir Sader

O Emir Sader, que eu sempre considerei um cara lúcido, me soltou essa bobagem:

"a elite tem medo dos artistas e da sua criatividade sem cânones dogmáticos e sem pensar no dinheirinho dos direitos de autor, mas na liberdade de expressão e na cultura como um bem comum."

Que papo é esse, Emir? Em que emirado você está vivendo?
Quem defende os direitos autorais não é nenhuma elite, são milhares de escritores e ilustradores (no caso do livros, e milhares de compositores, no caso da música, etc).

Nosso TRABALHO é criar prosa e poesia e ilustrações e merecemos remuneração por este TRABALHO. Os direitos autorais são o nosso pagamento, o nosso salário. Não somos representantes de nenhuma elite nem nenhum grande conglomerado. Aliás, nosso grande inimigo, neste luta em torno dos direitos autorais, é uma pequena empresa chamada Google.

Peço licença para me usar como exemplo. Eu escrevo livros infanto-juvenis há 20 anos. Me preparei para isso há mais tempo que isso, lendo muuuuuuuito durante toda a minha vida, fazendo traduções, fazendo uma especialização em Literatura Infantil, fazendo um mestrado em ciência da informação, e agora em meio a um doutorado.

Como alguém pode ignorar que isso é o meu TRABALHO? Que eu mereço ser pago pelo meu estudo, meu esforço, minha criação?

Se você está certo em um ponto, é que os direitos autorais são, para a maioria de nós, um "dinheirinho". E muito suado. Cada livro que meu que é vendido no mercado (a preços que variam de 15 a 30 reais, geralmente), me rendem de direitos autorais algo entre 1 e 3 reais. Não mais que isso. Quando há uma compra governamental, os preços caem muito, então os autores recebem algo como 30 ou 40 centavos por livro. Centavos!

Se o livro não vende nada eu não ganho nada. Se vende bem (o que no Brasil é incomum) eu consigo receber uma remuneração razoável. Como você vê, meu trabalho é de alto risco, ao contrário do trabalho de quem disponibiliza o PDF dos meus livros num site cheio de banners.

Quer dizer então que estes sites cheios de banners (que são pagos, obviamente) estão do lado certo, moderno, avançado, o lado da inteligência coletiva e da democracia cultural?

E eu, que exijo apenas a remuneração pelo meu trabalho, estou do lado errado, do lado do atraso? Estou do lado dos cânones dogmáticos? Só penso "no meu dinheirinho dos direitos autorais"?

Ou será que o atraso é representado por aqueles que querem derrubar este grande avanço que foi a profissionalização do artista. Assim corremos o risco da volta dos velhos mecenas (aristocráticos, religiosos, ideológicos, etc) que permitem, abonam e subvencionam apenas o que lhes interessa pessoalmente.

Repare que eu não sou contra qualquer autor disponibilizar o que quiser na internet. Eu mesmo publico, frequentemente, poemas inéditos na minha página do Twitter. O que eu não posso admitir (e esta posição é unânime na AEI-LIJ - Associação de Escritores e Ilustradores de Literatura Infantil e Juvenil) é que alguém - especialmente alguém com a inteligência e preparo de um Emir Sader – venha nos negar a remuneração por nosso TRABALHO.

Atenciosamente,
Leo Cunha

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Quem somos nós? Somos 3 em 1!!! JPVeiga - Variz da Meiga e Mariz Conzê - Vou contar sobre um deles: JPVeiga Peixes, Serpente no Horoscopo Chinês, filho de Oxum, aprendeu a ler já velho, com 7 anos, o pai queria tanto que ele fosse engenheiro, quase foi arquiteto, é Diretor de Arte, Ilustrador e Pintor, escreve para crianças desde sempre. Tem 3 filhos e uma neta, é casado e não pretende mudar essa condição. Mora como os sapos - na Lagoa.