Eramos um

Poesia, Escritos, Contos e Mentiras de um cara que pensa que é três!

quinta-feira, 25 de junho de 2015

A Cor

A Cor

Talvez seus olhos castanhos sejam meus.
Ou, sua boca púrpura?
Ou seu corpo inteiro de um mar pontilhado de ilhas coloridas
Transbordando de pétalas lilás.

Talvez seu olhar de um marrom profundo seja meu. 
Ou seus lábios que trocam de cor a cada batom louco?
Ou seu sorriso inteiro que me chama esverdeadamente
Cheio dessa cola roxa doida de colar gente.

Talvez então tudo isso não seja nada mais
Do que um filme
Um desenho
Uma parede pintada
Se movendo, se mexendo em luzes ostroboscópicas

Ou não!

Tudo também pode ser apenas 
Uma palheta de tinta sépia alucinada
Que se mistura ao ar
Que se incorpa com a terra
Que nos une e que nos separa

Talvez, apenas talvez, tudo pode ser
Uma cor não explicada
Dentro e fora de nós dois
Puxando e repelindo

Amarelo e verde virando preto
Ocre e vermelho virando branco

No azul das vidas passadas
Nas novas cores dos meus enigmas
Nunca mais resolvidos
Apenas vividos
Para sempre

quinta-feira, 27 de novembro de 2014

CIDADES

Cidades

Eu sou sua cidade
Ela em mim habita
Comanda meus braços 
Distribui meus passos
Bate meu coração 

Ela é minha cidade
Eu nela habito
Respiro seu ar
Me alimento de seu riso
E durmo em sua paz

Somos assim
Cidades irmãs 
Habitantes gêmeos 
De uma mesma viagem
Chamada amor

Pela Defesa da Liberdade de Criação na Literatura

Pela Defesa da Liberdade de Criação na Literatura
A AEILIJ (Associação de Escritores e Ilustradores de Literatura Infantil e Juvenil) convida todos a refletirem sobre uma realidade que nos tem assustado: a volta da censura aos livros infantis. E, o que é, talvez, ainda mais preocupante, uma censura que, desta vez, não é promovida por nenhum governo, mas por pessoas que, a princípio, têm o papel de levar a literatura até as crianças: professores, bibliotecários, coordenadores pedagógicos, editores, livreiros, divulgadores de livros, pais, avós, tios e, como negar, até mesmo por alguns de nós, autores de literatura para crianças e jovens.
Para um olhar desatento, a palavra censura pode parece forte demais. Afinal de contas, parece ser coisa de países com regimes autoritários e centralizadores, como por exemplo, o Paquistão, cuja Autoridade de Telecomunicações recentemente enviou um comunicado às companhias telefônicas exigindo o bloqueio de qualquer mensagem (SMS) que contivesse o nome "Jesus Cristo". Para justificar tal censura, o órgão alegou que a liberdade de expressão naquele país está sujeita a restrições, no interesse maior da glória do Islam.
Se esta proibição parece absurda e distante, chegou o momento de olhar para o nosso próprio umbigo. Pois o que está ocorrendo hoje em muitos locais no Brasil não é muito diferente disso. Cada vez mais a AEILIJ tem recebido notícias de que determinados livros de literatura para crianças e jovens são vetados em certas escolas e/ou bibliotecas porque citam o nome de deuses ligados a outras religiões que não a religião adotada na instituição. Referências a nomes ou práticas de religiões afro-brasileiras, espíritas, budistas ou outras são usadas como justificativa para a censura.
Em outros casos, o fato de existir, no livro, uma palavra como "diabo", "capeta" ou semelhante, é tido como razão suficiente para a exclusão de um livro, independentemente do contexto e da motivação em que tal palavra aparece. Tal postura radical e extremada parece esquecer que a própria Bíblia Sagrada traz mais de 100 vezes a palavra Demônio (ou alguma de suas variações), quase todas no Novo Testamento. Em breve estará a Bíblia na mira dos censores furiosos?
De maneira semelhante, têm sido perseguidas, recentemente, obras com palavras e personagens de todos os tipos, da bruxa à fada, do saci ao bicho papão, do Papai Noel à boneca Emília, do palavrão à gíria. A AEILIJ tem visto tais iniciativas com muito receio e consternação, assim como preocupa a imposição frequente de excluir temas, como principalmente a sexualidade, de uma literatura que tem como inspiração dialogar com crianças e jovens.
Há o outro lado, a frase da garota Malala que recentemente ganhou o Prêmio Nobel da Paz e declarou: “Já sei agora o que mais assusta um tirano: uma menina com um livro nas mãos”.  Ela tem 17 anos e é a mais nova ganhadora do Nobel de todos os tempos.
Ora, nossa associação acredita na literatura como arte e como expressão de tudo o que é próprio do ser humano, seus dilemas e dúvidas, suas paixões e medos, suas conquistas e frustrações. Mais que isso, entendemos que a literatura para crianças e jovens  é um espaço privilegiado para que o leitor conheça a pluralidade do nosso mundo, toda a riqueza de valores, culturas, crenças, ideias, hábitos, linguajares.
Se aceitarmos que um livro de literatura seja banido porque traz uma visão de mundo com a qual não compartilhamos – ou nem isso, apenas uma palavra que evitamos em nosso dia-a-dia, na privacidade do nosso lar – estaremos abrindo a porta para que outras pessoas, em outros momentos e em outros contextos políticos, ideológicos, religiosos ou morais proíbam as palavras, personagens e histórias que tanto nos são caros.
Mais cedo ou mais tarde, o feitiço vai virar contra o feiticeiro. Mas infelizmente ninguém vai perceber, pois as palavras feitiço e feiticeiro estarão, elas também, proibidas.



PELA DEMOCRATIZAÇÃO DA LITERATURA!!!

sexta-feira, 16 de maio de 2014



Acorda!
                                                                                   JPVeiga

Que foi?
Os macacos estão chegando!
É certo?
O sentinela fez o pio, já estão perto do arvoredo!
Entonce vamos!

Calçou as sandálias de couro, amarrou na cintura o cinto cheio de balas com o pequeno 32 cromado, enfiou no cinto as peixeiras de cabo colorido e passou por cima do ombro o embornal cheio de flores bordadas. Sorriu metendo a mão dentro do bornal já vestido. Encontrou o pacotinho embrulhado em papel de arroz e sopesou o danado. Sorriu de novo.
O repetição olhava ele.
Os macacos, justo agora...

O desmonte do acampamento foi rápido, os jegues receberam os mantimentos no lombo e todos picaram fora dali.

Andando rápido, passando por cima de pedaços de pedra e espinhos, eles fugiam rindo e falando alto, nem parecia que suas vidas corriam junto. Um rio na frente fez a turma parar, o sentinela avançado correu pra checar o vau. Todos se abaixaram na pequena clareira e começaram a sussurrar. Foi a hora que ele encontrou pra falar:

Ói, tenho um regalinho procê. Se arrepare não, é coiso de passagem, foi só num tempinho que tive passando lá por assarézinho, que se lembrei de sunçê; bem, aí fui na venda, bem, aí, sunçê abri que sunçê vai vê.

Ela recebeu o pacotinho todo amarrotado e com a fita grená meio torta. Uma pontinha de lágrima correu marcando o caminho poeira abaixo até a gola da camisa.

Carecia não, era bobagi minha, carecia tomá trabalho não!

A fitinha começou a se soltar quando a matraca começou.
A repetição saiu do couro e começou a papocar, todos pularam feito bicho e foi tiro pra todo lado, era grito, era fumaça, era engasgo, era estampido, era sangue e era cheiro de morte. Os macacos avançaram. Tavam em maior número mas a briga tava parelha. E as balas batiam aqui e ali rebentando pedra e gente. A fumaça começou a tampar a vista. A matraca foi calando e uns jeguinhos se soltaram ganhando o mundo. O cheiro de pólvora entrava pelas narinas e abrandava a catinga de sangue.
Um oficial gritou pra milícia parar de atirar. Um batedor correu e começou a desvirar os homens mortos.
Com a mão no canto da boca o batedor avisou: tá aqui! O ômi tá aqui! Pegamos os miserávi!
Todos se juntaram ao redor do corpo caído, falavam alto, batiam nas costas uns dos outros e sacudiam os repetições.
O batedor puxou um punhal da bainha quando alguém chamou atenção: ói um pacotinho aqui do lado dela!

Rodando de mão em mão o pacote foi parar no oficial, que terminou de desembrulhar com violência e depois de ver o conteúdo jogou tudo por sobre o ombro cuspindo palavras por entre dentes: vai, puta, vai que agora você já tem ané por mode casá com esse cabra ruim lá nos quintos do inferno!
E gritando pro batedor, ordenou pressa na cortação de cabeça enquanto o anel rolava e rolava e rolava, parecendo procurar o dedo da dona.

segunda-feira, 21 de outubro de 2013

Elvis e eu

O Primeiro Show do Elvis a Gente Nunca se Esquece!

Domingo de sol, muito sol, muito.
Domingo de fila, também muita fila.
Tudo para se trocar os ingressos comprados no Peixe Incompetente, para o
show do Elvis - 5 músicas "inéditas" gritava o rádio! C i n c o! Inéditas!
Como, eu não sei!
E a fila não andava!
E o Elvis não ajudava...
E o Peixe nada fazia!
Bem, algumas muitas horas depois de, novos amigos, brigas, polícia e de novo
sol, entramos!
Eu nunca tinha ido a um show de Rock ou coisas pelo estilo, devo confessar.
Óperas, MPB, música pop e coisas assim, são a minha praia. Mas, Marido e pai
tem que se sacrificar... Lá fui eu!
A incompetência do Peixe, graças a uma anja da produção, se transformou em
ingressos na fila do gargarejo, perto de alguns Elvis disfarçados, muito
acelerados e mais uma porção de fãs doidinhos!
O show começou com a apresentação dos músicos:
Fulano na Guitarra (aparecia no telão atrás, ele tocando no último show do
Elvis há mais de 40 anos).
Sicrano no Piano (de novo aparecia o carinha lindão, cabeludão e cheio de
gás, contrastando com o ser esquálido careca e desajeitado que, atrás do
piano, perseguia as teclas)
Beltrano no Baixo (incrível como dava pra reconhecer o carinha magrelo pelo
bigode (apenas pelo bigode))
Mengana, Sicrana e Beltrana no Backing Vocal (aí a coisa pegou! uma delas,
com seus 90 e tantos, sentada estava e sentada ficou, se balançando no
ritmo, as outras, cantavam como a Beth Carvalho se balançando em Andança)
E por aí foi a apresentação, até que o Elvis, começou a cantar!

Foi nesstantim, que eu, até então invocado com aquele cenário deprimente, de
velhuscos se rebolando e tocando, comecei a vibrar junto com a música. Uma
atrás da outra, o Elvis dominando o espaço, meu filho de 8 anos dançando,
minha Sabrina (que sabe todas, eu disse todas, as letras) fazendo eco ao, a
essa altura, meu Rei do Rock!
Quando reparei, as pessoas tinham rejuvenescido, o palco estava cheio de
jovens cabeludos, vestidos ao estilo dos 70, dançando, tocando e
principalmente, fazendo base para que o Elvis, em pessoa, olhando pra mim,
soltasse a voz!
Impressionante!
O encanto se quebrou depois de quase 2 horas de dança, rock corrido, lindas
músicas lentas, lenços jogados, um espetáculo como eu, cheio de coisa com
isso, nunca tinha visto, sequer vivido!
Repito: Impressionante!
Voltamos pra casa, coração lavado, com uma certeza:
"Elvis não morreu!"
Continua vivo em nossos corações!

segunda-feira, 31 de dezembro de 2012

Choprack

Nesses tempos de fim do mundo e de previsões sem fim, sobra-nos acreditar!
Mas em quem?

A família acampava numa praia deserta em Bali! Muito surf, muita pobreza,
muitos pores-do-sol! Um dia, procurando uma praia diferente, avistaram uma
estranha figura:
Um pequeno homem sentado em lótus, com uma barba e cabelo arrastando no chão
e balançando ao vento. Olhando mais atentamente, viam-se enormes orelhas
descendo sobre a roupa de um laranja desbotado. Exatamente na sua frente um
cartaz escrito:
CHOPRACK - a verdade e seus desdobramentos.
Em baixo do escrito logotipos das maiores bandeiras de crédito: Dinners,
Amex...
Antes de eles conseguirem chegar mais perto, o homem falou, como se
estivesse sentindo a aproximação: Eu sou a verdade e a verdade sou eu! E
calou-se, fechando seus olhos cinzas.
Uma onda quebrou-se lá distante e seu ruído veio até eles como um ribombar
de trovão!
O garoto da família deixou cair sua prancha e se ajoelhou, pedindo perdão! O
Pai, assustado perguntava gaguejando: "mas a verdade toda?". A Mãe, se
rasgando, gritava: "Leve-me! Sou tua!"
E Choprack, impassível, cofiava seu gigantesco bigode e sorria, ainda de
olhos fechados. Tudo acontecia e não acontecia, porque a realidade passava
em câmera lenta diante dos olhos mareados de todos. Choprack abriu os olhos
e mais uma vez falou: Eu sou a verdade e a verdade sou eu!
O Pai, a essa altura de joelhos, segurando a mulher que teimava em se
rasgar, pediu: Poderoso Choprack, o que devemos de fazer para encontrar a
felicidade e a paz?
O Velho, estendendo a máquina de cartão falou, de novo, mais uma vez: Eu sou
a verdade e a verdade sou eu!
O filho, agarrado à sua prancha, pegou a carteira do Pai e separou um
cartão, tremendo, enfiou o plástico na máquina e digitou a senha. Súbito,
uma enorme onda de paz interior entrou por dentro de todos os corpos...
Ao longe, lá no horizonte, o sol se punha rapidamente, as pessoas se
abraçaram e iam saindo quando ouviram sussurros saindo da santa boca de
Choprack: Aproveitem, a Vida eterna está em promoção! Em seis vezes sem
juros!

quarta-feira, 16 de maio de 2012

A lição do rola-bosta





JPVeiga
Foi pensando nas contas a pagar e nos clientes enrolões e na dureza da vida,
que de manhãzinha fui ao play daqui do predio para brincar com meu filho
Gabriel - ele brinca e eu olho - que pai velho é pra ficar parado que nem
poste e Romário!
E não foi que, diante de todos os meus problemas, eu vejo um pequenino
rola-bosta, como o nome diz, rolando um pedacinho de bosta (estrume recém
colocado nas plantas) - o danado fazia um esforço enorme, e rodava e
empurrava com as patas traseiras e girava com o impulso e a bola, maior que
ele, ia para outro lado e ele recomeçava. Filmei o carinha e mostrei ao meu
filho dizendo e explicando o esforço dele de levar até seu cantinho a
bolinha de bosta. Alimento e ninho dos filhotes, qdo a bolinha fermenta,
esquenta e ajuda os ovinhos a eclodirem.
Ele rolando uma bolinha de bosta que teimava em ir para cá e para lá e eu
com meus problemas que iam ficando menores na comparação ao enorme trabalho
do amigo esverdeado com um pedaço de bosta.
Pois foi que resolvi escrever pra vcs.
Às vezes quando me parece estar rolando uma bola de bosta, exato como o
verdinho escaravelho, talvez eu deva fazer como ele, não cansar, não
esmorecer, focar no trabalho e levar a bolinha pra casa!

quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

UMAHISTÓRIADENATAL

Variz da Meiga


Eraumavezumameninamuitobonitaqueviviacomo
sseuspaisnumacasatambémbonitanumacidadelin
daequetinhatudooquequeriamenosapossibilidade
deusarumavirgulaumpontonempensarentãoelau
mdiapediunumacartinhapropapainoelmeuquerido
papainoelporfavormedêumavirgulapraqueeuposs
ausarnanoitedenatalporfavormeubomvelhinhome
mandeumazinhasóqueeuvouseramaisfelizdascria
nçasefaloucomseupaiquetinhapedidoopaidenoite
faloucomamulherenodiaseguintesaiudecididopara
trabalharevoltoucomanovidadequeridafilhaeunã
oapenascompreiumavírgulacomomederamdebrin
deumpontofinalobaquebompapainoelrespondeua
omeupedidoquebomquebommedêlogoavírgulapr
euusarmedêmedêcalmaqueridadisseopaiexultant
eempoderagradaràfilhacalmaminhalindaeujávout
edarseupresentevocêestáprontaentão, tome.

quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

Gênese Literário

Gênese Literário
Mariz Conzê

No início era o Verbo,
Veio o Sujeito
E o Predicado
E fêz-se a frase

Veio o Editor
E mudou tudo!

quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

137

137
Variz da Meiga


Tão puro
Tão inocente
Tão culpado

Ave Césio
Os que vão morrer
Te saúdam!

sábado, 12 de novembro de 2011

Nanocontos

Nanocontos

Os Nanocontos nasceram da necessidade de se dar um título às breves e
incompletas histórias que ouvimos nos bares, nos elevadores, nas filas -
histórias que acontecem com os outros e que não conseguimos ouvir mais do
que pedaços.
Nanoconto é um exercício de escrita e de criação. Tem como sua única regra
ter o título maior do que o corpo do conto.



A Breve História de um Cabra Combalido
Béé!

O Assassino Serial Que Mata por Afogamento
Manhê, cadê o sabonete?

Vou Tirar Você Dessa Vida Capitú Meu Amor!
Tá bom, mas hoje é 100!

O Bombeiro Hidráulico e a Dona de Casa Insatisfeita
Cano furado????

A importância do Backup nas Redes Intranet
Salvou?

O Amor nos Tempos do Cólera
39 graus!!!

A Criação do Mundo Segundo José o Carpinteiro
Passa logo o martelo.

A Vida é Uma Fotonovela com Final Feliz
Meu marido!

Os Avanços da Medicina na Fertilização In Vitro
No potinhoooooo!

A Coisa Pública e os Crimes de Colarinho Branco
Como? Omo!

O Surfista Lorão e a Literatura Medieval
Haoli!

O Paradoxo Marítimo na Bela Praia do Balneário Carioca
As águas-vivas estão mortas!

sexta-feira, 11 de novembro de 2011

Singular

Singular
Variz da Meiga

Ela entrou correndo fugindo da chuva.
Puxava pela mão um menino encharcado.
Não parecia que iria haver uma venda, mas...

Pois não!
Ar-condicionados - preciso de uns 3 ou 4!
Ah sim, ares-condicionados, claro.
Foi o que falei, quero bons preços e ótimas condições!
Todos iguais?
Claro!
Ah sim, então é bom preço e ótimas condições!
Foi o que eu disse!!! O sr. Vai me mostrar ou vai ficar aí repetindo tudo o
que falo, hein? Falou e virando-se para a criança soltou o verbo:
E você não faça bagunça, fique quieto e não mexa nos guardas-chuvas!
Guarda-chuvas! Gritou o vendedor lá do outro lado da loja.

A mulher rodou a loja inteira, colocou defeito em tudo, falou mal das
marcas, contou experiências ruins de suas amigas e reclamou dos preços,
enquanto o vendedor sorria a demonstrava os produtos.

Pouquinha quantidade né? Desdenhou.
Como? Já lhe mostrei uma dúzia de marcas diferentes! Saiba a senhora que
ares-condicionados é no Paraíso dos Móveis!
São!
É!
É!, É!, E esse slogan é usado há mais de 30 anos! Desculpe-me o anglicismo.
São! e não me interessa nem um pouco a sua religião, anglicismo,
protestantismo, catolicismo. Quero os ar-condicionados e pronto!
Ares! Ares! E não vendo mais nada!
Quero falar com o dono! Gritou furiosa a mulher.
O dono sou eu! E não vendo, tenho dito! Não vendo e pronto!
Mal educado, estúpido, imbecil, podem ir o senhor e a sua loja pras putas
que os pariram! A mulher falou e deu uma rodada. Puxou o filho e foi saindo.

Já na porta se voltou e ouviu o homem falar:

Muito interessante este plural, muito, volte aqui senhora, volte que eu vou
lhe fazer um ótimo desconto!

quarta-feira, 9 de novembro de 2011

iAfter! Texto do Amigo Zé Zuca

iAfter

ou A revolução na comunicação intermundos

Se há alguém que pode revolucionar esta comunicação, este alguém é Steve Jobs

                                  

                                                                                                                      Zé Zuca

Não conheço ninguém que tenha se comunicado de forma moderna e eficiente depois de partir para outra dimensão.  Todas as possibilidades estão no campo da religião e não são aceitas como fato comprovável. No caso mais conhecido de  comunicação do outro lado para cá, ou daqui para lá,  é necessário utilizar o corpo de outro. Embora eu acredite, convenhamos, é uma manifestação algo deselegante e meio assustadora.

Mas esta incomunicabilidade pode estar prestes a acabar. Se há alguém que pode revolucionar o paradigma desta comunicação este alguém é (ou era) Steve Jobs. Já pensou? O mundo tem quatrilhões de anos e, em todo esse tempo, não surgiu qualquer ferramenta que permita a comunicação com nossos queridos que passaram para o outro lado ou deles com a gente. Já pensou se o Steve criar uma?

Poderia ser uma espécie de communicator device after death. Claro que ele sintetizaria, chamando,  possivelmente,  de iAfter. Um aparelho sofisticado, fino, bonito e amigável que permitiria o contato entre os daqui e os que foram para além da morte e vice-versa. Venderia muito mais do que a Aplle vendeu os iPhone, iPod e iPad juntos. É incalculável o número de pessoas que vivem lá e aqui (só aqui, 7 bilhões) que se beneficiariam deste tipo de comunicação. Imagina só: Você está ansiosa em sua casa, sentindo uma falta danada daquele seu melhor amigo que se foi. De repente o aparelhinho toca, enchendo o ar de esperança e alegria. É ele. O papo rola descontraído com uma qualidade de som impressionante, como se o amigo ou amiga estivesse aqui no Rio de Janeiro. De certa forma estaria mesmo. Com uma super webcam lá e cá você poderia ver se seu amigo estaria mais gordo ou mais magro, se entre nuvens, num quarto ou num paraíso.

Jobs, naturalmente, vai necessitar de um tempo para estudar a situação, montar uma equipe multidisciplinar muito criativa e entender as reais necessidades das duas clientelas. Vai precisar também conhecer as disponibilidades do além. De que material seria o iAfter? Que facilidades ofereceria aos comunicadores multidimensionais? Bastaria um toque num ícone ou seria necessário acessar uma espécie de Internet celestial? Vai que ele crie um teletransportador e traga a pessoa ou o espírito ao vivo ou leve alguém por algumas horas pra bater um papinho no além?

Calma aí. Por outro lado, não falta quem aposte que Steve Jobs estaria se surpreendendo por lá, embasbacado com o que encontrou: nenhuma necessidade de maquininhas para se contatar. Comunicação telepática, mente a mente,  em alta velocidade, memória ilimitada. E mais, teletransporte de um lugar para o outro, usando apenas a vontade. Viagens rapidíssimas para qualquer lugar, encontrando, em segundos, quem o pensamento quiser. Jobs estaria constatando que, por lá, todos os aparelhinhos que ele inventou aqui na Terra  são desnecessários. É só pensar e chegar.  

Espera aí. Mesmo que no outro mundo a comunicação seja moderníssima, nunca ninguém veio pessoalmente aqui depois de partir, assim como ninguém foi lá, bateu um papinho e voltou. É aí que entra o velho Steve. Depois de um tempo de perplexidade, com sua capacidade criativa perceberá que ainda há espaço para suas invenções. E vai agir rápido. Não vai esperar que uma fatalidade possibilite a concorrência de um Bill Gates. Afinal ele chegou primeiro. Vai querer, certamente, criar algum mega dispositivo para o progresso das comunicações intermundos. Por que não o iAfter? É só uma questão de tempo.

O desafio está lançado. Façam suas apostas. Os universos nunca tiveram uma chance como esta de terem uma revolução nos contatos interdimensionais. É só esperar para receber, em breve, a comunicação do primeiro grande lançamento. Certamente, em cadeia planetária de TV, invadindo todos os computadores,  em uma aparição quadridimensional espetacular entre nuvens no céu: calça jeans, camisa preta de gola rolê, ele, com algo muito desconhecido nas mãos, o próprio Steve Jobs. 

 

terça-feira, 23 de agosto de 2011

Dois em um

Dois em um
Mariz Conzê


Tenho cara de bobo,
Tenho até mesmo jeito de bobo
Minhas ações são tolas e infantis,
Mas,
Também sou um Calunga de Oxum
Um Calunga homem macho
Com cabeça de Santa mulher fêmea
Que roda e briga
Que encara e vence
Que fala sério e encanta

Eu entro onde nem homem nem
Mulher entra
Eu faço o que nem o Arco-Íris faz
Eu sou o Calunga
Que no Padê, chama
Dá comida e oferendas
Ao pai Elegbá

Mas,
Também sou o cara engraçado
O pai feliz e amado
O marido fiel
O amigo de meus amigos

sábado, 6 de agosto de 2011

ONTEM

ONTEM
Mariz Conzê


Sentado na pedra
do arpoador,
num fim de tarde qualquer,
eu quase consigo me ver
menino,
de sunga surrada,
vermelho grená,
com um canivetinho
amarrado no cordão
que me apertava a cintura;
um limão pequeno,
guardado
do lado da coxa
e mergulhando,
procurando mariscos
e ostras;
para,
vivos,
nadando no sumo do limão,
matar minha fome,
de um tempo muito lá atrás.
Eu menino, não tinha:
os filhos,
a neta,
os afilhados,
o doce sorriso dela,
os livros não lidos,
os não escritos,
os haicais,
as tintas,
os papéis,
a vista da Lagoa,
não tinha uns,
não tinha outros,
não tinha.
Mas eu era feliz,
era muito feliz,
mas não era
eu!
Eu, sou o que me cerca,
o que me completa,
o que me dá e toma,
o que existe sem pedir,
o que pede sem existir,
e a isso,
chamamos vida.
E quando essa vida
nos cerca totalmente,
chamamos amizade,
mas se essa vida
nos vive,
chamamos amor.

domingo, 24 de julho de 2011

Mostrando a Língua

Variz da Meiga


Quem haverá de saber mais,
Sobre uma língua?

O Léxico que a escraviza,
Entre largas paredes,
De papel.

Ou o Escritor que, como um Gigolô,
A faz trabalhar, corrido e marcado,
Sobre papel.

Ou será o Revisor,
Que lhe necropsia, mexendo suas entranhas,
Com papel.

Talvez o Professor,
Que dela e nela faz sua vida,
Em papel.

Ou o Poeta,
Que exalta e ama pessoas e mitos,
No papel.

Definitivamente é o Homem Comum!
Que a inventa, maltrata, constrói e destrói,
Para uso dos todos que dela vivem,
Que papel!

sexta-feira, 24 de junho de 2011

Junina

Junina
Variz da Meiga

Um quentão é 5 e dois é 3!
Um é cinco e dois é três? José se espantou. Como pode dois ser mais barato
que um? Sorriu, coisas do Rio, coisa de Carioca, esse povo engraçado que
recebe os nordestinos como se tivessem nascido aqui.
Dois é três! Ora vejam só!
José se encostou na barraquinha, pediu dois quentões e, respirando o ar de
pólvora e madeira queimada deu uma olhada pela quermesse.
Ô saudade lá da Paraíba!, da sua terra, da sua gente, do São João, das
festas que faziam sua cidade entrar no mapa. E tome quadrilha.
A sanfona tocava, os rojões subiam e o quentão também! Olhe ali! A Dona do
403! E toda produzida! Que engraçado ver o pessoal do seu prédio numa
situação fora dele. E a música rolava. Essa eu conheço! E veio pra cabeça a
tarde de conversa com o Síndico do prédio - ele se apresentando: José
Severino do Grupo.

- Do Grupo? Perguntou o Sindico.
- Sim sinhôr, é José purcausdiquê nasci cumbigo enrolado no pescoço
e fui consagrado pra São José, Severino purcausqui todo mundo lá pras bandas
de lá é, e do Grupo prucaus di minha mãe que era professora lá no Grupo
Escolar e pra diferênçá fiquei do Grupo. Sabiam não o nome do meu Pai,
fiquei do Grupo. Eu sei lê e escrevê, tenho as referênça que o sinhôr
precisá.

Vinte anos! Como o tempo passou rápido, parecia outro dia, parecia que a sua
infância ainda estava ali do lado.
O cheiro do gengibre subia da panela de quentão, José sorriu e pediu mais
dois. Três real, que gozado! As fagulhas da madeira queimada também subiam e
com um estalido se perdiam de encontro ao céu negro. As imagens das suas
festas estavam vivas, o cheiro, a música, o calor, era como se ele estivesse
na sua cidade. Que saudade, quanto tempo. Como andaria sua mãe? E os irmãos,
estariam ali pelo Rio? A falta de notícias e a total ausência de informação
tinham fechado seu coração.
Vinte anos! A menina que ele tinha desgraçado já devia ser avó! Claro, o
filho de vinte anos atrás tinha idade para ter um filho - filho do filho que
nunca viu. Avô. Qual o quê!
Vinte anos fugindo da responsabilidade com a menina. Vinte anos de Rio de
Janeiro, uma nova vida, que, se não preenchia a saudade dos seus, tinha lá
suas compensações.
E tome quadrilha!
E tome quentão!
O casamento começou. Risos, foguetes, o Padre casando e a noiva de tênis
fugindo, a música alta e mais um morador do prédio lá longe.
Um amigo passou do lado e ele ofereceu um quentão.
Um cigarrinho, as fagulhas, a folha do galho de bambu entrando no olho, uma
saudade enorme tentando sair.
Sacudiu a cabeça, tinha que tomar uma decisão, tinha que voltar, tinha que
ver sua mãe, tinha...
Ô saudade.
Na barraca do lado um sujeito acendeu umas brasas e colocou queijo de coalho
pra queimar. Noutra barraca tinha pamonha, noutra além carne de sol.
É... parecia que a Paraíba era ali.
O amigo falava e ele não ouvia, o quentão esfriava e a cabeça voava pra
cidadezinha, pra sua casa, pra sua gente.
Um toque no ombro deu um susto. Mais um morador do prédio brincava com ele.
É, essa cidade já era a sua cidade, pra quê voltar, pra quê?
A moça passou em frente da barraca. Já tinham trocado olhares antes. Ele
chamava a moça de menina do pão, todos os dias ela ia para a padaria e se
olhavam. Um quê de desejo se acendeu.

Quentão? Vem. Um é 5 e 2 é 3!

Ela aceitou sorrindo.

O balão vai subindo, vai caindo a garoa, o céu é tão lindo e a noite é tão
boa.

Será que dessa vez eu saio desse casulo de aranha? Vou conseguir uma moça
direita, uma moça pra casar direito, pra ter filhos direito, pra fazer a
minha família, é isso?, é agora que eu saio dessa toca?

Começaram a conversar, a beber, as barreiras foram caindo e a conversa foi
ficando em voz baixa. A música lá no fundo e o quentão lá na frente.

Ó, agora a quadrilha é pra todos, vamos dançar? Falou a morena.

A cabeça girava, o corpo girava e a morena girava. A fumaça subia, os
cheiros entravam, o calor da pele dela aquecia seu coração. Quanta
felicidade, era quase como se fosse lá na cidade. A música acabou e a morena
puxou o braço dando risadas - vamos tomar mais dois quentão? É só três,
falou sorrindo.

Zé Severino? A voz perguntou.
José Severino, seu criado, respondeu.
Do Grupo?
José Severino do Grupo sim sinhôr, porque?

A resposta veio como um novo cinto, dois dedos abaixo do cinto de couro que
segurava a calça de Pervinc Aurora. O novo cinto abriu a calça como um
sorriso e por ele seus miúdos começaram a sair pra fora.
A morena gritou e saiu correndo; uma clareira se abriu no meio da dança.

Suas mãos tentavam agarrar seus intestinos como se fosse um filho nascendo.
A cabeça girou, as pernas bambearam e ele caiu sentado.
Olhou para cima. O velho, pequeno, pele curtida, roupa mal assentada, de
cabeça branca e com uma peixeira na mão, falava. Falava e gritava. O quê ele
falava? Filha? Vinte anos?
Um traque explodiu e o cheiro de cordite encheu o ar.
Ele sacudiu a cabeça como se estivesse com o cabelo molhado tentando prestar
atenção no que estava acontecendo. Um rojão papocou. O velho seguia falando,
seus miúdos escorriam pelo meio das mãos, o sangue descia e corria separado
do quentão que bebera. As pernas abertas com aquilo cheio de voltas e nós
espalhado no meio, parecia coisa de filme americano. O sangue ia para um
lado e, enquanto a escuridão tomava conta da sua vista, o quentão escorria
para outro, parecendo querer voltar pra dentro da panela. Olhou para os
sapatos e os cadarços estavam soltos. Ué? Não tinha amarrado?
O velho seguia gritando; ao fundo as fagulhas, os cheiros, a música.

São João, São João, acende a fogueira do meu coração.

Ele estava voltando para casa.

segunda-feira, 20 de junho de 2011

O Crime

O Crime
Variz da Meiga

Vou matá-lo.
Sei como.
Já planejei tudo.
Todas as ações, passo a passo; até mesmo o que vou dizer e como vou me
comportar depois.
Vou matá-lo.
Matar é a única coisa em meu pensamento.
Tá bom, parece piada, mas não é! É muito sério, é papo de morte! Tenho uma
vida pacata, sossegada, amigos até dizem que sou uma pessoa zen. Mas um
monstro mora dentro de mim!
Eu descobri.
E assustado com o bicho, me peguei cutucando o danado só pra tentar ver o
tamanho da sua força.
Ele quase acordou.
Eu me senti um gigante - cabelos na língua, farpas na palma da mão, sangue
gelado.
Brincadeira?
Não é!
Estou escrevendo isso como um aviso e ao mesmo tempo tentando superar meus
medos. Esse monstro vai matar! Eu vou matar!
Com hora e local determinados, com o plano obsessivamente passado e
repassado, cada movimento exaustivamente repetido, cada palavra de despiste
decorada e novamente falada e falada e falada, até soar como verdade. Não
essas verdades cheias de detalhes, que não sou bobo! Preparei até mesmo o
timing de um soluço, de uma tirada de óculos, vai ser verdadeiro! Tem que
ser!
Todos os ângulos foram estudados. Como já disse, exaustivamente estudados e
pensados e interpretados e questionados e finalmente aprovados!

No início a coisa toda parecia apenas um pesadelo, um sonho ruim. Aos poucos
os detalhes exatos demais para serem sonhos foram surgindo. O desejo, a
volúpia, a excitação do antes crescia a cada noite, aí passei a pensar nisso
durante o dia também, e a fazer anotações e medições e marcações de tempo,
de passos, de atos, de palavras, de desculpas, de álibis, de tudo enfim,
tudo, tudo, tudo.

Agora é esperar a hora.

Bem, isso visto assim de longe, nessa calma, parece uma coisa e é outra - é
muito difícil esperar. Esperar para matar. Mas sei que estou fazendo o
certo, o necessário, o que qualquer um faria em meu lugar! Certo!

Por isso vou matá-lo!
Matá-lo, sem pretensões a finalmente executar o crime perfeito, mas sabendo
que vou sair ileso, sem culpa, inocente, cordeirinho!
Estes escritos serão deletados, queimados, apagados, nada, nenhuma anotação,
arma, plano, nada, nada vai sobrar para servir de elemento de ligação entre
o crime e a minha pessoa.
Nada!
O tempo corre, meus dedos batucam nas teclas enquanto suo um pouco na testa.
Sinto o monstro acordando.
Sim, estou sentindo o bicho se movimentando, se mexendo, se levantando; a
hora está chegando! Já é tempo de me preparar, parar com essa baboseira
sentimental de "botar pra fora", de fazer como os assassinos de cinema que
contam tudo antes de matar.
Chega!
Esta é a hora!
Este é o tempo final!
Vou me levantar desta cadeira, apagar tudo, desligar este computador, limpar
as impressões digitais e começar meu plano.
Vou matá-lo!
Matá-lo de uma vez, para poder viver tranquilo, sossegado e feliz, sem esse
imbecil, piegas, sentimental, romântico e babaca lado poético!

domingo, 5 de junho de 2011

Bullying, Sanduíche de Goiabada com Grapette e a Total Falta de Conhecimento


JPVeiga

Lendo as notícias sobre o caso de Bullying no tradicionalíssimo colégio São Bento, me lembrei de uma dessas coisas que só acontecem comigo:
Recém-convidado a me retirar de uma escola, fui entrado em outra; mais uma vez escola católica, mais uma vez com padres, bedéis e rigidez total.
Eu gostava mesmo era de ler e por isso achava que sabia mais que os professores; meu mundo perfeito era ler, fazer judô, ler mais um pouco, ir à praia, ler e patinar no gelo, numa Ipanema que teimava em ficar besta e internacional... O judô tentava me ensinar o respeito - meu mestre Rudolf Hermanny, dizia que o segredo da vida era o respeito, pelos outros, pelos mais velhos, pelo conhecimento e pelo seu próprio corpo! Grande sujeito!
Pois foi que num primeiro dia de aula, depois de uma aula chatíssima de ciências, onde eu tinha certeza que sabia muito mais sobre o período triássico do que o professor, fui para o recreio com a boca aguando pelo sanduíche de goiabada e pela minha, ainda meio geladinha, Grapette! Sentei em um degrau de uma escada de cimento, que eu não sabia onde ia dar, e fiquei olhando todos aqueles alunos que eu não conhecia, toda aquela gente se falando e rindo e brincando, enquanto eu, ali, esperava que o tempo me apresentasse todos, que pareciam ser boas pessoas!
Aí...
Passou um carinha e patolou meu sanduíche e a minha Grapette - o cara foi tão rápido que levou tudo e correu rindo!
Sem pensar, corri atrás do ladrão e dando uma banda por trás, derrubei o danado; caí sobre ele e entrei em uma posição de estrangulamento (katagatame), em que se prende o pescoço e um dos braços do adversário, sufocando-o. Ele, rapidinho parou de dar pinta de resistência, então eu o soltei e fui logo pegar o que sobrou da minha Grapette. Meu pobre sanduíche, que me olhava desmontado, viu o rapaz se sentar chorando.
Ainda fiz um gesto como se fosse dar-lhe uma grapettada na cuca e saí fora. Dali direto para a secretaria, levado pelo Bedel, onde uma bronca de sacudir quarteirão me esperava. Sentado na antessala, ainda agarrado na garrafinha, olhei para outro aluno, que, com cara de bobo e assustado, me falou:
- Bicho! Você bateu no cara mais forte da escola, ele espanca todo mundo, ele toma as coisas dos outros, toma dinheiro e obriga a gente a fazer o dever dele!!! Já apanhei dele uma semana inteira! Como você fez isso?
Muito sério, respondi:
         - É que eu não sabia, se soubesse tinha apanhado...

domingo, 27 de março de 2011

O Contrato



O Contrato
Mariz Conzê




Os dedos nodosos rodavam a caneca de ágata – esmalte velho e gasto no fundo – uma cordinha sebenta amarrada na asa explicava que o dono era gente de viagem – de pouso aqui ora ali. 
O café soltava uma fumaça que se espalhava com o bafo do homem. A caneca ia até a boca e os olhos apertados viam através da janela – lá longe uma fumacinha mostrava que por ali morava gente, gente de muito porém, de muita história, gente arredia e com a desconfiança como vizinha. Era caso de se esperar. O homem disse que vinha, virá.
Lembrou da mulher. Lembrou de como explicou que esse era o último trabalho – lembrou de quantas vezes lhe dissera isso – sorriu. 
Danada, verve preocupada – carece não, sei me defendê.
Sorriu nervoso.
A casa abandonada só tinha o cheiro da fogueirinha que fizera pra fazer café. O teto de telhas vãs tinha até trepadeira nascendo. A tarde acabava, a fumacinha ao longe chegava perto – devia ser ele.
Ajeitou o repetição atrás de um toco de pau – colocou uma garrucha no alto de uma viga meio podre – deixou ao alcance da mão uma faca de corte e esperou – nunca se sabe – tem-se que estar preparado – pensou, ajeitando uma peixeira nas costas.
Então se encostou no canto da janela e esperou. A lembrança da mulher veio de novo, ela no quintal, os lençóis brancos se sacudindo, o sol forte, o sorriso maroto. Estava sonhando quando alguma coisa fez ele prestar atenção. A fumaça virara um cavalo – em cima dele um homem; roupas boas cheias de poeira, segurando mal nas rédeas, ele parecia ter guerreado com o cavalo durante todo o percurso. Era o danado, o pau mandado do cliente. Já estava acostumado, nunca aparecia o ômi da mandância. Quem paga e quem diz é sempre um cabra safado – toco de amarrar jerico. Tinha raiva desses tipos – pequeninos com jeito de quem tem sem ter, de quem é sem ser – mas, vamulá que o trabalho já foi meio pago.
Parou na soleira da porta e tirou o chapéu, o homem chegou e sem jeito encostou o cavalo perto duma árvore e se apeou. Desceu e foi falando e andando e maldizendo o sol e os espinhos e o cavalo e a estrada, entrou na casa e olhou ao redor – não tinha móveis, não tinha cadeira, olhou de novo como que não acreditando e rodou o corpo até parar nos olhos do matador. 
Entonces vossemecê é o ômi?
É, sô.
Eu vim a mando de uma pessoa que lhe mandou dinheiro e lhe fez uma oferta de trabalho.
Sei.
E o senhor recebendo o dinheiro como que selou o acordo e agora eu...
Moço, diga logo quem é e onde mora. Diga e vá-sembora que eu não perciso de mais nada nhô não! Chega de rapapés, diga logo – dê uma fota, uma indicação e mais nada – nóis nunca se viu – entende?


Certo, descurpa, é o nervoso que está assim me empurrano. Tome lá! Essa fota é antiga, ele já é um homem velho – tem uma mulher nova, filhos pequenos e tal e coisa, mas isso não interessa, ele tem que, digamos assim – desaparecer por mode as terras do meu patrão ficarem assim vazias que o ômi do banco assim quis e mais não digo pruquê não posso. 


Certo, agora é comigo – falou o cabra pegando a foto e como que se abanando – vá-sembora. Pregunte lá pro seu patrão se ele quer alguma prova do sumiço do cabra?
Carece não, a notícia por essas bandas corre muito rápido – vamos saber rapidim – assim que se souber, mandamos o restante.


Negativo, falou o homem se colocando na frente do outro que se movimentava pra sair dali. Negativo – eu quero encontrar com vossemecê logo dispois do fato – diga onde, que eu vou até lá – e recebo o que é meu e me ganho no mundo – é assim que a coisa funciona, que isso não é brinco de criança nem xixi de moça – é pau de dar em doido – se não quiser fale logo que eu dô logo por encerrado e pronto cabô e fim.


E o homem suando falou, e se explicou e concordou e assentiu e saiu e montou e foi embora deixando para trás a mesma fumacinha que trouxe.


Dentro da casa a 44 saiu de trás do toco, a garrucha foi pro cinto, a faca começou a picar um pedaço de fumo e a fotografia ficou no parapeito da janela enquanto o cigarro era aceso. 
E lá ficou quando ele saiu – a foto gritava, a casa reclamava, a arma esquentava e o sol ardia; enquanto o homem entrava pelo meio do mato feito bicho, correndo pra chegar no sítio de seu velho pai e matar e correr de volta pra encontrar o maldito leva e traz, receber o dinheiro, dar umas bordoadas nele, descobrir quem é o patrão, e matar esse e ir até o mandante, matar aquele cabra também e voltar correndo pra casa e pegar a mulher e sair fugido pros cafundós; que cabra matador que cumpre seus contratos ali na risca, acaba sempre tendo problemas. 

Eramos Um

Minha foto
Quem somos nós? Somos 3 em 1!!! JPVeiga - Variz da Meiga e Mariz Conzê - Vou contar sobre um deles: JPVeiga Peixes, Serpente no Horoscopo Chinês, filho de Oxum, aprendeu a ler já velho, com 7 anos, o pai queria tanto que ele fosse engenheiro, quase foi arquiteto, é Diretor de Arte, Ilustrador e Pintor, escreve para crianças desde sempre. Tem 3 filhos e uma neta, é casado e não pretende mudar essa condição. Mora como os sapos - na Lagoa.